“Mas tu és uma brasileira diferente” — A imagem das mulheres brasileiras em Portugal

Leticia Melo
3 min readMay 20, 2018

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Tente não falar bom dia, pois o “dia” dos portugueses soa diferente e eles perceberão que você é brasileira. Nem boa tarde, nem boa noite. Diga simplesmente olá. Tente não falar muito em público, ou se tiver mesmo que falar tente falar baixo, ou senão todos vão ouvir seu sotaque e perceber que você é brasileira. Quando me mudei para Portugal, esses eram meus principais pensamentos.

Vários diálogos meus em Portugal foram momentos de aprendizagem. De aprender que eu, na posição de pobre menina do sul do mundo, provavelmente vinda de uma favela, não sabia de nada. O tratamento e modo de olhar de algumas pessoas mudava completamente quando percebiam que a garota com quem conversavam viera do Brasil.

Mas qual era o problema de saberem que sou brasileira?

Não é que todos os portugueses façam assim, eu hoje em dia amo Portugal porque amigos portugueses me fizeram me apaixonar pelo país, mas houve momentos tensos. Momentos em que eu senti como se tivesse que me desculpar por ser brasileira. Tentava me diferenciar dessa imagem de mulher brasileira e tentar justificar o porquê eu merecia o respeito dos portugueses.

Mas quem é essa mulher brasileira de que todos falam? Parecia que todos a conheciam menos eu. E devem me achar parecida com ela por termos vindo do mesmo país, que diga-se de passagem tem cerca de 100 milhões de mulheres. Então eu decidi investigar.

Segundo minhas fontes, a mulher brasileira é safada, não procura estudar nem um trabalho de respeito, mas está nas casas de mulheres das vilas e nos anúncios classificados do Correio da Manhã. Como o Brasil é uma favela, ela veio da pobreza e não teve acesso à educação. E claro, nasceu no Brasil, em algum lugar da floresta em meio aos macacos. O motivo de ter vindo para Portugal? Caçar marido.

Seria simples falar apenas de xenofobia e tentar me distanciar da imagem de brasileira. Mas seria um erro ignorar o machismo que a expressão carrega. Se uma mulher, brasileira ou portuguesa, fala alto ou se veste de forma provocante, logo é criticada. Essa cultura do estupro, que ainda é forte hoje em dia tanto no Brasil quanto em Portugal. Tradições ultrapassadas que não tem espaço no mundo moderno.

O preconceito surge de algum lado, e deve ter uma origem. Mas assim como todas as formas de preconceito, as histórias não justificam o preconceito em si. Algumas dessas são histórias de mulheres que saíram do seu país em busca de oportunidades e caíram em desgraça. São unilaterais e não representam todo o seu povo.

Uma coisa que me alegra é que devido à atual onda de imigração de brasileiros para Portugal, essa questão ainda será muito debatida. Haverá um número enorme de mulheres brasileiras com histórias para contar. De uma forma ou de outra, os portugueses preconceituosos, que volto a ressaltar, não são todos, lidarão e aprenderão com elas.

Com simples conversas, que oportunamente podem ser feitas na mesma língua, preconceitos, como da imagem negativa da mulher brasileira, são pouco a pouco desconstruídos. Esses imigrantes brasileiros em Portugal são pessoas trabalhadoras e corajosas, que escolheram Portugal, de todos os países do mundo por algum motivo. O diálogo é a melhor maneira de fazer com que as pessoas de nações irmãs se entendam.

Ter saído do meu país, da cidade onde vivi a vida inteira, e me mudar para uma terra onde não conhecia ninguém foi uma experiência forte. Conheci portugueses que me acolheram e outros que prefiro esquecer. Mas se tivesse acreditado que eu era essa tal mulher brasileira, não seria eu mesma.

Em Portugal, aprendi sobre a cultura, a diversidade do seu povo e me apaixonei pelo país. Mas nunca esqueci da minha cidade longe do litoral, capital de um Brasil gigante. Em Portugal, aprendi sobre o que é ser brasileira. Aprendi sobre mim, Letícia.

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Written by Leticia Melo

Writer, reader, planner, web3 marketer, immigrant, skeptic by experience, romantic by nature, libertarian, amateur musician, wife and partner, great hugger.

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