A mulher brasileira não existe—meus 7 anos em Portugal
Não, a mulher brasileira do imaginário popular português não existe. Mas nós, mulheres brasileiras, somos reais e plurais. A nós!
Hoje eu consigo falar bom dia na rua. Já me sinto à vontade para pronunciar bem o d(j)ia como o meu sotaque pede. Boa tarrrd(j)e, boa noit(ch)e.
Já não sinto medo. Já não tenho vergonha.
Demorei 7 anos e tive que passar por muita coisa para perceber que as simpáticas pessoas que conheci em Portugal não tinham boas intenções quando me diziam:
“Mas tu és uma brasileira diferente.”
Não, eu não sou uma brasileira diferente; que foge à regra natural das coisas; que, contrário à natureza de ser brasileira, é um pouquinho mais inteligente que o “normal”.
(uau, que engraçadinho, é um macaco que sabe dançar!)
Ofensas disfarçadas, preconceitos velados, complexo de superioridade de gente insegura.
A imagem da mulher brasileira em Portugal me assombrou tanto por tanto tempo sem eu perceber. Não mais.
Doeu, mas já não dói. Eu me libertei.
Eu sei quem eu sou. E sei o que não somos.
A tal “mulher brasileira” que a sociedade tradicional portuguesa usa para generalizar toda e qualquer cidadã oriunda do Brasil faz parte do imaginário popular português contemporâneo sim. E não há muito a fazer para mudar isso de forma geral. Paciência.
Quem pensa assim provavelmente vai morrer achando que tem razão.
Mas eu não.
Aliás, nem eu e—eu espero—nem as milhares de mulheres brasileiras que vivem hoje em Portugal.
Não podemos cair no erro de dizer obrigada depois dessas ofensas
Já pensou o que é a dor de você acreditar nessa falácia contra a sua gente? Contra o seu sexo? Contra a sua nacionalidade?
Tentei e entendi de onde vinha essa crença tão banal para quem a tinha, e tão violenta para quem a recebia. Foi só então que pude dizer, em alto e bom som: foda-se!
Não, eu não estou limitada ao que essas pessoas pensam que eu sou. Mas sim ao que eu penso e faço.
Porra, elas nem fazem ideia. Têm medo de saber. O mundo delas entra em pane se o conceito “brasileira” estiver errado.
Eu ouvi a “mulher brasileira” ser definida por mim por professoras universitárias, colegas e até irmãs em Portugal.
Como uma jovem imigrante se defende de tamanha agressão à sua identidade? Ainda por cima vindo com um sorriso?
Te digo como: com tempo, aprendizagem, paciência. E principalmente limites.
Afinal o que é ser brasileira?
Não, ser brasileira não é sinônimo de ser burra, incapaz, inferior, pobre, puta. E não, também não quer dizer que somos deusas, guerreiras, as melhores mulheres do mundo.
Porra, será que já não vivemos o suficiente para pararmos de nos definirmos somente pela nossa nacionalidade?
Será que não conseguimos definir o que caralho significa ser brasileira sem inferiorizar também outras mulheres? Sem cair no erro de comparar estereótipos?
Somos tantas, tão plurais, tão diferentes!
O que temos em comum é a nossa história e a nossa cultura—e talvez tenhamos muito mais em comum por estarmos nesse país estranho.
Não posso ser definida apenas por um passaporte, assim como as minhas conterrâneas também não.
É uma merda que essa visão não venha a ser jamais popularizada, mas bem, é como é.
Só fico feliz de estar me curando das feridas. E espero que você um dia também se cure.